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Bonet, Crítica
17/06/2015, 20h24m.
Bonet, Carmelo M. (1969). Crítica literária. 2ª ed.. Trad. Luiz Aparecido Caruso. São Paulo : Mestre Jou.
Há um trecho interessante onde um romano reclama da decadência dos costumes e da corrupção da juventude.
A velha crítica era dogmática (traçava regras sobre o que era beleza) e hedonista (baseava-se no "agrada-me" ou "não me agrada"). A dogmática gerava as regras ou pelo método indutivo, à moda de Aristóteles (compila o que os poetas fizeram de certo e conclui que essas são as leis da beleza) ou pelo dedutivo, à moda de Platão (define-se abstratamente as leis da beleza e depois tenta-se aplicar às obras concretas).
Depois veio uma crítica pretensamente científica ("o crítico, mais que um juiz que condena ou absolve, é um idôneo, um especialista, um técnico que explica a obra discriminando as circunstâncias que a condicionaram" (46)), biográfica, seguida de outra, determinista (positivista primeiro, darwinista depois, biográfica-psicológica depois). Esta última: "a obra de arte é invólucro do estpírito de um homem, é documento psicológico, sinal de um estado de espírito" (80).
No meio disso o romanticismo (Victor Hugo). Divide o mundo em pagão e cristão, clássico o primeiro, romântico o segundo. A melancolia é o sentimento básico do cristianismo e, por consequência, do romantismo (56).
Depois veio a crítica impressionista. Anatole France:
"Não há crítica objetiva como não há arte objetiva. Todos quantos se jactam de por outra coisa que eles próprios em sua obra, são vítimas da mais enganosa ilusão. A verdade é que nunca se sai de si mesmo. É uma de nossas maiores misérias. (...) Vivemos encerrados em nossa pessoa como em uma prisão perpétua. Parece-me que o mais razoável é reconhecer lealmente essa lamentável condição e confessar que falamos de nós mesmos cada vez que não temos força bastante para calar-nos". Todo romance é, em última instância, autobiografia. O bom crítico é o que narra as aventuras de sua alma através das obras mestras (p. 110-111). "Estamos condenados a não conhecer as coisas senão pela impressão que elas produzem em nós" (113).
"O bom crítico é o que narra as aventuras de sua alma através das obras mestras" (Anatole, 110). "Senhores, vou falar de mim mesmo a propósito de Shakespeare, a propósito de Racine ..." (111). Ou recriação pessoal, como Lemaître ("À margem da Ilíada", "À margem da Eneida").
Cap. VIII, esquema para uma análise crítica
Dois exames, do fundo (crítica interna) e da forma (crítica externa). O fundo é a fábula, as ideias, o sentimentos e as sensações. A forma é a arquitetura e a expressão.
I. Fábula:
I.1. é original? Quase sempre não, mas a originalidade não é muito importante, e é quase inacessível (144). "Depois de tantos séculos de produção literária, quase não é possível outra originalidade senão a do cozinheiro: enfeitar com os restos do almoço novos pratos para o jantar. A originalidade refugiou-se na estruturação da obra, em sua arquitetura (...), em seu estilo" (145).
I.2. No exame da fábula examinam-se os personagens. Algum deles representa o autor? Ou ele se espalha entre vários? O personagem encarna um vício ou uma virtude?
Personagem tipo: representa toda uma família de sujeitos congêneres: o soldado fanfarrão, o pícaro, o gaúcho, o malandro.
Personagem caráter: é mais universal que o tipo, é um complexo humano individual, singular, que ocorre em todas as épocas (D. Juan, Otelo, Quixote).
O personagem é uma caricatura ou uma idealização?
I.3. As ideias: "Cada época tem seu ideário, seu repertório de ideias dominantes. O escritor as cobre e as difunde mesmo sem se propor" (147). As opiniões próprias do autor são geralmente emitidas por um personagem simpático.
I.4. O sentimento: quais os sentimentos obsessivos, o leitmotiv afetivo? Orgulho, misticismo, amizade, egoísmo, tédio, medo da morte? Em Stendhal é a falta de ansiedade metafísica, em La Fontaine a falta de sentimentos familiares.
I.5. As sensações: quais dominam? Predomina a visão, a audição, o tato?
II. A forma
II.1. Arquitetura (plano da obra). O clássico é mais simétrico, o romântico menos lógico.
II.2. A unidade de ação é o modelo clássico desde Aristóteles. Ela exige protagonista, unicidade de herói. Pode haver plots secundários. Ou a unidade de ação pode ser só pretexto para enfileirar quadros (Decameron).
II.3. Elocução. Forma realista, mais hospitaleira, admite linguagens do povo, cada um fala como é na realidade. Forma idealista, de neoclássicos e acadêmicos, os personagens falam como livros. Forma barroca: idealismo extremado, amor à metáfora, à perífrase
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"toda nova escola é, em última instância, uma nova retórica — fulmina sem misericórdia a geração anterior, que nutrida por outra retórica, cometeu por seu turno a mesma injustiça com a precedente, o mesmo pecado de impermeabilidade.
O escritor vive carregado de belicosidade. (159)
"O grosso do público é conservador e não admite, sem resistência, obras que produzem um frisson nouveau, que o obrigam a repensar e a sentir de novo; que o obrigam a repensar e a sentir de novo; a refazer sua modesta armação de lugares-comuns ideológicos e afetivos" (167)
Toda obra, por original que seja, pertence a uma família (160).
Essa discriminação inicial ilumina acerca das intenções do autor, pois estas são, em geral, as de sua escola. (160). (pfs.): daí se analisa a coerência entre a obra e sua escola, o código estético desta.
"Toda obra, já se disse, é primeiro uma intenção" (161)
(pfs.): ver a que gênero e espécie o autor quis vincular sua obra; ela deve se conformar às convenções dessa espécie e gênero. "Não exigir aos autores o que é alheio à espécie eleita"
(pfs.): a obra prima é a) a que permanece na memória e b) resiste à leitura reiterada (166), c) resiste aos vaivéns do gosto e da moda, e d) resiste à evaporação do estilo, que decorre da tradução (167).
"É a posteridade o melhor juiz" (167).
Alemães, que dividem um cabelo em quatro partes.
"escritores impessoais, faltos de estilo, neutros, alisados pelo periodismo" /175.
"O crítico desce, então, pela escada das palavras ao íntimo da obra" /175.
"O que não se pensou com clareza se enuncia confusamente. À imprecisão mental segue a imprecisão idiomática" /179.
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Meus comentários ou ideias que tive lendo isso:
Grande Sertão nunca será uma obra prima porque é intraduzível?
Um livro nunca é bom se o escritor aparece demais e demonstra que está se esforçando para impressionar o leitor.
Acima de qualquer outro sentimento ou preocupação que um escritor possa ter, está a preocupação com a escrita, com a literatura. De forma que é muito provável que um livro sempre diga algo sobre a literatura, os livros, o ofício de escrever.
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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